Recompondo

Vou vadiar, cortejar minha solidão, cultuar-me no espelho, tentação em batom vermelho, intrínseco,
aquele perfume, dia do casamento, quebrado, despedaçado, fiapos, tristeza em véu branco e grinaldas,
sapato salto alto, vestido elevado, blusa solta, colo visto, veneno em doses letais, intencionada,
uma dose única de Shakespeare, romance perdido, sereis alguém que não se importa, noite de sorte.

Balcão frio do bar, homens sem tempero, admiram-me, famintos, oferecem-me bebidas, promessas vazias,
o melhor sorriso para maltratar, ludibriar, coitados, esta mulher que os acende, pisará em cada gravata,
protagonista, dona das escolhas, homem de barba grossa, cabelo curto, camisa desabotoada, olhar desconfiado,
gentil, inteligente, palavras fáceis de um gato noturno, um estímulo aos meus desejos obscuros.

Vestido ao chão, mãos na cintura mole, boca em pescoço, corpo reclinado, movimentos suaves, transpassada,
deleite da madrugada, saciada, subo as vestes, relaxada, devagar na saída, ninguém a ouvir meus passos,
noite dos sonhos da alma desamada, sofrida, frustrada, ainda sim, desejada, bem acabada, descabelada.

Bendito matrimônio, amarrou-me pelo gargalo, um caminhão arrastando-me pela estrada, pedaços meus no caminho,
autoestima, liberdade, humor fácil, energia vital, sonhos, desejos, até que se perdeu, o amor inquebrável,
então, não sobraste nada, o eterno acabaste, passado, nova fase, recompondo sem direção, a essencialidade.

Poesia por J.G.B

Pintura "Femme Fatale" por Maria Marcu Popart